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Florianópolis, Santa Catarina

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Maria da Costa Lourdes Gonzaga foi professora por 30 anos ou três gerações de alunos no Mont Serrat, comunidade do Maciço da Cruz. na região central de Florianópolis. Diz brincando que tem sorte de ainda não ter aparecido nenhum bisneto de aluno seu, senão se sentiria muito velha.

Segundo suas contas, deve ter dado aulas para mais de 15 mil crianças. Dona Uda, como ficou conhecida, também batalhou por água encanada, esgoto, asfalto e ônibus para a favela onde vive até hoje. Nas horas vagas, alfabetizou adultos. Ajudou a construir a escola de samba Copa Lord, uma das mais tradicionais da Ilha, ao lado de seu marido, Armandinho, que foi presidente por 18 anos.

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Dona Uda e as baianas da Copa Lord

Quando ele morreu, em 1984, a comunidade pediu que ela assumisse a função, na qual ficou por dois anos. Até hoje, nenhuma outra mulher foi presidente de uma escola de samba no município.

Aos 78 anos, dona Uda ainda não parou. Coordena o grupo de mulheres negras Antonieta de Barros, é madrinha da melhor idade, responsável pelas 43 baianas da Copa Lord. Também batiza, dá a catequese e casa os fiéis da igrejinha de Mont Serrat. E trabalha para ver nascer a primeira universidade no morro.

Ela e o padre Vilson Groh participam de audiências públicas e reuniões privadas com representantes do governo para viabilizar esse projeto.

Invisíveis

Segundo o historiador André Luiz Santos, autor de “Do Mar ao Morro: A Geografia da Pobreza Urbana em Florianópolis”, na década de 1920, a derrubada dos cortiços foi seguida pela isenção de impostos para famílias que desejassem construir belos imóveis nos locais desocupados à força, tanto no centro quanto em áreas nobres. Com isso, os pobres e negros foram sendo expulsos para outras áreas, como o Maciço da Cruz.

Foram doadas madeiras para que s casebres fossem erguidos nessa região “com a condição de não serem vistos”, escreve ele em sua tese.

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Vista do morro da igreja Nossa Senhora do Mont Serrat, em Florianópolis

O Mont Serrat foi um dos primeiros morros a serem povoados em Florianópolis. Recebeu escravos fugidos e soldados miseráveis no século 19. Depois houve a migração de pobres para a região. Seis famílias ergueram os primeiros barracões: os Silva, os Veloso, os Cardoso, os Almeida, os Barbosa e os Costa, pais de Uda.

“Aqui somos todos parentes”, resume ela.

Dona Uda nasceu no Mont Serrat no dia 30 de julho de 1938, filha do pedreiro Julio Sebastião da Costa e da lavadeira Angelina Veloso Costa.

Apesar da vida difícil, o casal se esforçou para realizar o sonho da filha: ser professora. “Vim a esse mundo com a mesma missão das minhas duas madrinhas. Somos as três Marias e dedicamos nossas vidas à sala de aula”.

Aos oito anos, foi matriculada na Escola dos Pobres, como era chamada a Diocesana São José. Lá foi alfabetizada, mas ela queria mais. Aos 13, foi para o Instituto Estadual de Educação, a maior escola pública de Santa Catarina, onde foi a primeira aluna negra. A diretora era Antonieta de Barros, que se tornou a primeira deputada estadual negra do país e a primeira mulher eleita em Santa Catarina.

Dona Uda se inspirou nesse pioneirismo e foi a primeira negra a passar no vestibular da Udesc (Universidade de Santa Catarina) para o curso equivalente a pedagogia. Com o diploma em mãos, foi convidada a dar aulas na primeira escola criada em uma comunidade empobrecida— a Básica Lucia do Livramento Mayvorne, situada no alto do Mont Serrat.

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Dona Uda e sua primeira turma de alunos na escola Lucia Livramento Mayvorne

Quando começaram as aulas, tinha 19 alunos. No final do ano letivo, 500. Como a escola não comportava tantas crianças, saiu pela vizinhança explicando a situação e fez muita gente resolveu cooperar.

A Legião da Boa Vontade cedeu duas salas, a igrejinha local ofereceu uma terceira. Um antigo morador deu a chave de um velho casebre com três cômodos. E, mesmo na base do improviso, as 500 crianças tiveram aulas.

Na hora do lanche, a mãe de Uda preparava merenda.

“Era muito bonito. Nós vencíamos todos os obstáculos. O importante era que nenhuma criança ficasse ociosa”, conta.

Ela diz que seu principal ensinamento não foi o abecedário. Foi alimentar sonhos. “Eu dizia que eles podiam ser o que quisessem. Se uma menina do morro quiser ser médica, ela vai ser. Não tem o que segure a força de vontade.”

O estímulo rendeu frutos. Dona Uda guarda uma caixa cheia de convites de formatura de ex-alunos. São médicos, advogados,enfermeiras. Muitos fizeram mestrado e doutorado sobre a madrinha negra da favela.

“Eu não pude ter filhos, então, virei mãe de todos.” A frase parece exagero. Mas a porta de sua casa não está nunca fechada. Vizinhos, crianças e parentes entram sem bater. Querem saber como ela está, se precisa de algo, se passa bem da recuperação do joelho recém-operado, levam mimos.

“Ela é mais beijada que a pomba do divino”, resume a amiga Patrícia Sardá.

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publicada dia 17 de nov de 2016

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2016/11/17/como-uma-professora-transformou-a-favela-onde-vive-em-florianopolis.htm

 

Aline Torres

Jornalista com propósito. Colaboradora dos principais jornais do Brasil. Diretora de projetos e escritora na Construtores de Memórias.

 
 
 
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